Gabriela Valente
Para tentar evitar uma deterioração das relações entre Brasil e Uruguai, o ministro do Exterior uruguaio, Rodolfo Nin Novoa, teria telefonado ontem para o ministro das Relações Exteriores brasileiro, José Serra, a fim de pedir desculpas, “o que fez repetidas vezes”, segundo uma fonte do Itamaraty ouvida pelo GLOBO. Na terça-feira, o jornal uruguaio “El País” havia informado que o governo de Tabaré Vázquez ficara aborrecido com a tentativa do Brasil de “comprar” o voto uruguaio na polêmica sobre se a Venezuela deveria assumir a presidência do Mercosul.
Ontem, o governo Vázquez divulgou nota afirmando ter ocorrido um “mal-entendido em relação à proposta brasileira de efetuar atividades de promoção comercial conjuntas em terceiros mercados”, ressaltando ter ficado claro que ela não tinha qualquer relação com Venezuela e Mercosul.
Reservadamente, o chanceler brasileiro aceitou as desculpas. Em público, voltou a criticar a Venezuela. Brasil, Argentina e Paraguai querem evitar que o governo de Nicolás Maduro assuma a presidência pro tempore do Mercosul. Serra voltou a afirmar que a Venezuela não cumpriu as exigências para tanto. E ressaltou que, no país, há presos políticos, condição imprópria para uma democracia.
A nota da chancelaria uruguaia afirma ter havido um “mal-entendido em relação à proposta brasileira de efetuar atividades de promoção comercial conjuntas em terceiros mercados” e que ficou “perfeitamente claro que a mesma não tem qualquer relação com a consideração sobre a transferência da presidência pro tempore do Mercosul.”
O texto diz ainda que “o Uruguai entende que a prioridade essencial é conseguir evitar que qualquer impasse provoque uma paralisação nas atividades do bloco”. A chancelaria também defendeu o diálogo entre os Estados membros do Mercosul.
Maduro vê "aliança golpista"
Na versão taquigráfica obtida pelo “El País” da audiência de Nin Novoa no Congresso uruguaio, ficava claro que o chanceler estava profundamente irritado pelo que definiu como a “pretensão” do Brasil de que “fosse suspensa a transferência (da presidência do Mercosul) e, além disso, de nos levarem em suas negociações com outros países, como querendo comprar o voto do Uruguai”.
Maduro, por sua vez, usou ontem a reportagem do “El País” como argumento para reforçar sua decisão de assumir, unilateralmente e sem o consenso dos demais sócios, a presidência do bloco. — A Venezuela se declara em batalha para salvar o Mercosul da tríplice aliança golpista que formam Argentina, Brasil e Paraguai — afirmou Maduro, que agradeceu a “força moral” do Uruguai, único país que não se opõe à presidência venezuelana do bloco. — Aqui está a Venezuela, presidente em exercício e membro pleno do Mercosul e daqui não nos tira ninguém.
O presidente venezuelano considerou um escândalo que “o governo golpista do Brasil tenha tentado pressionar o Uruguai de maneira ilegal” para obter seu respaldo na disputa pela presidência do Mercosul. Já o chanceler do Paraguai, Eladio Loizaga, afirmou que “o Mercosul é propriedade dos quatro Estados fundadores” (Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai). — Temos situações de não cumprimento (de protocolos internos do bloco) por parte da Venezuela, e acho que essa linguagem (usada por Maduro) não contribui para a imagem externa do Mercosul — assegurou o chanceler paraguaio.
Em Brasília, Serra, depois de receber dois representantes da oposição venezuelana — o exilado Carlos Vecchio e Luis Florido, presidente da Comissão de Relações Exteriores da Assembleia Nacional —, afirmou que o país tem um regime autoritário e está sem rumo neste momento. O chanceler brasileiro defendeu a urgência do referendo que pode confirmar ou não o governo no poder. E ressaltou que, se isso não for feito logo, Maduro poderia fazer uma manobra para colocar seu vice no poder.
— Todos os países democráticos do mundo devem pressionar a Venezuela a fazer o referendo — afirmou Serra. — A Venezuela entrou no Mercosul num golpe. A Venezuela não tem condições de assumir o Mercosul.
Promessa de Apoio
O chanceler brasileiro lembrou que o Mercosul suspendeu o Paraguai por causa de um processo constitucional de impeachment com o apoio de Brasil, Argentina e Uruguai, todos com governos de esquerda à época. Com isso, o único oponente à entrada da Venezuela no bloco não participou da decisão. — Desfeito o governo autoritário, a Venezuela pode contar com o Brasil para ser reconstruída. Falo em nome do governo brasileiro — prometeu o ministro, que lamentou o fato de Maduro não aceitar remédios oferecidos pelo Brasil.